O desejo de emigrar voltou ao Vale do Ave. A crise na indústria têxtil continua, os salários são baixos e muitos estão em atraso, escreve a Lusa.
Hoje é o Dia Internacional da Erradicação da Pobreza mas, na cabeça de Márcia, de oito anos, o importante foi a gelatina que comeu terça-feira, Dia Mundial da Alimentação.
Na escola da Márcia, em Riba de Ave, Famalicão, alunos e professores confeccionaram gelatina para as crianças levarem para casa. E enquanto houver gelatina, a menina até se esquece do «arroz com salsichas» e da «sopa de couves» que tantas vezes se come na casa daquela família.
Riba de Ave foi o berço da indústria têxtil em Portugal. É ainda nas Margens do Rio Ave que se concentram dezenas de empresas ligadas, de várias formas, ao sector têxtil. Sem saber que o Dia Internacional da Erradicação da Pobreza se comemora hoje, na fábrica «Oliveira, Ferreira», onde trabalha o pai de Márcia, os trabalhadores continuam em greve, por tempo indeterminado, até que lhes sejam pagos os salários em atraso.
É que sem os cerca de 400 euros que ganha mensalmente na fábrica «fica difícil governar uma casa», diz Joaquim, o pai da menina que frequenta a segunda classe e de um outro filho bebé.
«Eu sem salário, a mulher numa confecção a ganhar menos do que eu, uma casa para pagar, água e luz mais o infantário, faça as contas», disse o homem de 46 anos.
E as contas até nem são difíceis de fazer. Com menos de 800 euros por mês, a família tira 350 para pagar o empréstimo pedido à Caixa Geral de Depósitos para a construção de uma casa. Ficam 550 euros para comer, pagar transportes, comprar roupa e calçado, pagar água, luz, infantário e ATL. «O que vale é a horta que continua a dar batatas, cebolas e hortaliça», referiu ainda Joaquim.
Entre os pais de Márcia, a discussão sobre a ida de Joaquim para «o estrangeiro» é cada vez mais frequente. «Na escola da minha filha, três meninos emigraram com os pais», comenta o operário.
Espanha, Alemanha ou a Suiça são os países para onde há mais possibilidades de ir trabalhar. Mas novos destinos como o arquipélago de Guadalupe ou as Maldivas são os sítios «onde se ganha mais dinheiro».
Questionado sobre o que é a pobreza e se considera a sua família pobre, o operário têxtil sorri: «Pobre é não ter família e não ter trabalho, o resto é tudo uma questão de deitar mais ou menos água na panela da sopa».
Com 500 mil habitantes, o Vale do Ave engloba os concelhos de Santo Tirso, Vila Nova de Famalicão, Guimarães, Fafe, Vieira do Minho, Póvoa de Lanhoso, Trofa, Póvoa de Varzim, Vizela e Vila do Conde.
Castro Fernandes, o presidente da Associação de Municípios do Vale do Ave (Amave) e autarca de Santo Tirso, não tem receio de caracterizar a região. «A taxa de desemprego é, sensivelmente, o dobro da média nacional. Ronda os 14 por cento. Temos camadas da população com baixos níveis de escolaridade em situação de desemprego de longa duração, acima dos 45 anos e, desses, 60 por cento são mulheres», disse o presidente da câmara socialista.
As esperanças de recuperação económica da região do Ave estão agora depositadas nas verbas do Quadro de Referência Estratégico Nacional (Qren).
Com o dinheiro que deve ser atribuído a instituições do Vale do Ave, a pobreza talvez diminua e talvez se instale na região uma empresa «âncora» como a Auto-Europa que, para além dos empregos directos que criou, possibilitou o surgimento de muitas outras empresas.
Para Joaquim, a pobreza tem remédio:
«Tem de haver trabalho. Com trabalho somos todos ricos».