Raul da Conceição Piedade tem 61 anos e três das principais condecorações militares por feitos em combate: uma de valor militar com palma e duas cruzes de guerra, de primeira e segunda classes.
Também tem um grau de incapacidade de 85%, devido à explosão de uma mina anticarro que lhe fez perder uma perna e causou outros danos menores.
Este deficiente de guerra vive próximo da Nazaré e foi um dos muitos (cerca de 1500, segundo fontes da PSP) que, ontem, vieram a Lisboa para desfilar entre o Hospital Militar Principal da Estrela e a Assembleia da República - "a primeira manifestação do século XXI" e a segunda vez em 33 anos, segundo os responsáveis da Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA), trazendo à memória o dia de 1975 em que bloquearam, ao mesmo tempo, a Ponte 25 de Abril e a portagem da actual A1 para exigir respostas do Estado.
"A Pátria é o nosso patrão, somos deficientes do Estado", diz o antigo primeiro cabo Piedade, evocando memórias das emboscadas em que caiu no Norte de Angola, nos finais da década de 1960. Este deficiente recorda também os tempos em que, regressado a Portugal, parava de repente à frente de um carro e exigia ao condutor que lhe desse boleia até ao hospital militar.
"Estava apanhado de todo, [as chefias] diziam que não havia vagas" nos quartéis e aquela era uma solução expedita de obter apoio sempre que necessário."Há 20 anos talvez se ultrapassassem [os problemas]. Agora não, temos 60 e muitos anos, queremos uma velhice digna", sublinhou Raul Piedade, lembrando que desistiu de usar a última prótese (foi mal feita) que lhe substitui a perna direita.
"Agora definem orçamentos para as próteses, pelo que as casas da especialidade fazem-nas mais baratas. O problema é que, enquanto antes uma perna [artificial] durava cinco, seis anos, agora nem duram dois anos" e acabam por implicar custos maiores para o Estado, adiantou.Próximo de Raul Piedade, ainda no Largo da Estrela, estava o guineense José Abdul Nhamajo, um dos muitos africanos que lutaram ao lado das forças portuguesas nas guerras ultramarinas. Membro do grupo do mítico comando Marcelino da Mata, foi ferido numa emboscada em Lamel. Além das cicatrizes de bala nas duas pernas, ficou com estilhaços na cabeça, de que resultou o reconhecimento de um grau de incapacidade de 5%.
O problema é que esse processo demorou 12 anos, "de 1991 a 2003", contou o antigo soldado.O protesto da ADFA contra a continuada falta de respostas do poder político às suas necessidades, a que se juntaram estruturas representativas dos veteranos de guerra e dos militares que agora estão no activo, terminou com a entrega de uma moção ao presidente do Parlamento e aos grupos parlamentares. "Geração da guerra colonial não suporta a indiferença do poder" e "a força justa das vítimas de uma guerra injusta" foram dois dos slogans gritados pelo milhar e meio de deficientes de guerra e familiares concentrados frente ao Parlamento. "O problema é o tempo", disse ao DN o presidente da ADFA, José Arruda, vítima da explosão de uma granada que o deixou cego e sem uma mão. (DN)